sábado, 22 de setembro de 2012

Feira (I)

Um passo te desloca para frente, mas não só. Para cima a para baixo. Os olhos buscam compensar esta movimentação. Para frente. Para cima, para baixo.


Respiro



Roxos, verdes, brancos, vermelhos de todos os matizes, amarelos brilhantes, amarelos foscos, novos verdes, verdes folha-verdes fruto, marrons e preto-semente. Lisura, grumos, molhado, gomos e gominhos, ásperos, suaves, cremosos, encarnados.

Vejo


Doce-simples, como doce-açúcar. Doce-azedo. Azedo-azedo. Amargo. Cítrico. Doce-banana. Especiais-especiarias.  Azedo-queijo. Azedo-suor. Azedo cor.


Toco

Cabeças e corpos e cabeças e cabeças e corpos e corpos e corpos cabeça. Para frente, para cima, para baixo. para cima, para baixo. Ligam-se em profusão de luzes. Cabeças e mentes e almas e luzes. Ligam-se. Anestesiados, não notam.


Flutuo

Olhos parados, sem compensar. Sobem e descem e sobem e descem e sobem e descem e sobem e descem e sobem e descem. Soslaiam. Há o azul. No ângulo fechado. Há-o-a-zul. Vislumbram respirar e congelam.

Caminho

Despeço-me do momento. Além de mim, só as flautas são azuis. Azuis-bebê. E estão cobertas de pó-luição da cidade sem luz.

Há espada. Hei de luzir-luminar. Há o limiar.

Azul.

sábado, 1 de setembro de 2012

Ensino, produção e reprodução: a Faculdade Paulista de Artes


Alguns temas que você odeia certamente irão lhe perseguir ao longo da vida, assim como algumas lutas que você desiste de travar são as que sempre voltarão. Não estou aqui dizendo que acredito em nada parecido com carma (ou karma, mas acredito em calma) nem nada semelhante, simplesmente que nós tendemos a nos envolver com as mesmas questões ao longo da vida, principalmente quando elas não foram superadas, por nós ou pelo mundo.
Quando me vejo novamente numa briga de foice e martelo, ou numa disputa contra o sistema e paradigmas instituídos que são extremamente prejudiciais à sociedade, noto que não há como fugir, quando você encampa uma causa ela será sua para toda a vida. Ainda que a vida mude e você comece a adicionar novas e novas questões, as antigas permanecem, ainda que com menos força.
E toda essa reflexão surge para contar uma história, uma história que é minha, mas que é a história da educação no Brasil na contemporaneidade. Ouso dizer, um pequeno panorama da educação e porque devemos nos preocupar muito e abrir os olhos.
Eu estudo em uma faculdade particular de características muito particulares, é uma faculdade que tem dono. Claro, todas as faculdades particulares tem donos, mas a minha tem um dono mesmo, não um grupo empresarial ou alguém que nunca vimos, um dono que perambula pela faculdade e vive observando através dos vidros das portas o que estamos fazendo ou falando em sala. Ainda que ele pouco apite, a faculdade é dele, administrada pro sua filha. Estudo licenciatura em Artes Visuais, em uma faculdade que usa como slogan que é a única 100% dedicada às Artes. Nem os dono, nem sua filha, são da área. Além de não serem da área nunca procuraram saber absolutamente nada sobre arte.
Tracemos um paralelo inocente: imagine um padeiro dirigindo uma tecelagem. É mais ou menos isso que você verá: roupas que parece mais pães do que roupas, o sistema de costura transformado em sistema de produção de pães e costureiras sendo demitidas por oferecerem ajuda para o diretor, o padeiro. Supondo, é claro, que o padeiro considere a si mesmo capaz de dirigir a tecelagem e, mais do que isso, imponha suas decisões de forma arbitrária.
E é isso que acontece na Faculdade Paulista de Artes. Minha querida FPA hoje reúne (com exclusividade, veja, com EXCLUSIVIDADE), licenciaturas nas 4 linguagens das artes, a saber: artes visuais, música, dança e teatro.  Parece um sonho aos amantes das artes estar neste lugar. Mas acontece que não é nada do que parece. Formando grande parte dos professores que irão atuar nas escolas de São Paulo e região, a FPA é um espaço opressor, atrasado e de moldes fascistas.
Digo isso com conhecimento de causa, depois de ter passado por mais de sete faculdade e universidades, públicas e particulares, estaduais e federais, isso como estudante, tirando todas as que conheci como militante. Eu nunca vi, em nenhum lugar do Brasil, uma faculdade tão atrasada e que depõe tanto contra si mesma.
Além de estudar na FPA faço Iniciação Científica na USP e componho como outros Arte/Educadores, um grupo de pessoas que busca a organização dos Arte/Educadores de São Paulo, recuperando a história da primeira associação de Arte/Educadores do Brasil, a AESP e construindo a história da Arte/Educação no estado no daqui pra frente. Este assunto é longo, mas certamente em outros momentos vocês ouvirão falar do núcleo PróAAESP, o que quero dizer com isso é que eu trânsito por outros espaços e tenho acesso a discussões sobre a área que nem todos tem, além disso, posso fazer comparações, que são a base da compreensão da realidade a nossa volta.
Com grande esforço temos buscado trazer para a FPA (e também para outras faculdades, algumas delas também em situações horríveis) discussões sobre Arte/Educação, sobre organização política e sobre pesquisa na nossa área, como um evento que havíamos marcado para o dia de hoje. A direção da FPA, quando soube do caráter do evento decidiu arbitrariamente proibir a sua realização, sem dar qualquer motivo ou consultar ninguém, nem a PróAAESP, que estava organizando o evento, nem os estudantes, que estavam sedentos pela discussão sobre pesquisa, já que não temos em nossa faculdade NADA relacionado a pesquisa, mal temos professores que sequer passaram perto de algo parecido com pesquisa (os poucos mestres tem pesquisas vexatórias, sendo salvos algumas de nossas professoras doutoras).
Venho testemunhando inúmeras posturas de caráter opressor dentro da faculdade, só que dessa vez eu cansei de me calar. Porque o silêncio pode ser muito sufocante e decidi gritar. Fui divulgando o ocorrido aos estudantes, que por sua vez foram tomados de uma grande revolta. Porque todos sentem que há algo de errado, mas nem todos notam o que é. E pela primeira vez tive esperanças que poderíamos agir como grupo, como um corpo de estudantes que não quer essa alienação que a faculdade nos impõe.
Em uma conversa de bastidores, a direção da faculdade decidiu mudar o discurso e dizer publicamente que o evento havia sido adiado, não cancelado. A desculpa? Que o tema havia sido colocado em cima da hora e que haveria outro evento no local. Quem já é militante sabe muito bem que isso é manobra, manobra das mais baixas. O problema é que a faculdade não tem cultura de movimento e essa desculpa medíocre poderia passar desapercebida e ser aceita, sem maiores questionamentos. O problema é que eles não contaram com o fato que ali tem gente que pensa. E que o pensamento está se espalhando.
A FPA vem solapando todo e qualquer tipo de discussão que possa ter cunho político, ou levando as discussões para o entretenimento ou para um academicismo vazio. É só ver os convidados que a faculdade traz aos seus eventos e a postura que tem quando qualquer professor se posiciona e leva questionamentos aos estudantes que fazem com que eles percebam as contradições da faculdade. Eles são demitidos.
Enquanto isso temos há anos professores encastelados na faculdade que tem posturas completamente anti-profissionais, abusando, inclusive, de uma postura machista e extremamente opressora, humilhando os estudantes e, principalmente, as estudantes, impondo um estatuto de artes completamente defasado e díspar da realidade, que quase daria inveja à Academia Imperial de Belas Artes, de tão anacrônicos.
Eu defendo a liberdade de pensamento  dentro da Arte, não é mais tempo de impormos determinados moldes nem de sermos obrigados e vestir tal ou qual roupagem para sermos considerados contemporâneos. A arte contemporânea, séria e comprometida com a arte em si, reivindica para si toda a tradição artística clássica, assim como novas experimentações e novas possibilidades. Não é a arte da negação da história, mas aquela que constrói com a história. Mas o que a arte contemporânea não aceita é o pensamento engessado, apolítica e alienante. Assim como a educação contemporânea também não pode aceitar que professores sejam formados sem a dimensão política da profissão.
A educação é práxis, em sua essência é transformadora. Se não é transformadora não é educação, é reprodução de conteúdo, é deformação, é bater palmas para o mundo como ele é, fazendo com que a desigualdade, o preconceito, a opressão, a humilhação e a degeneração social continue para a barbárie. E é este tipo de professor que a Faculdade Paulista de Artes quer formar. Professores que reproduzem o que está dado, que não conseguem pensar por si mesmos, que não tem em sua prática profissional a dimensão política da educação e nem da arte.
Só que nós não estamos mais dispostos a aceitar isso. Enquanto eu estiver na faculdade farei de tudo para levar esta discussão à diante. Em todas as instâncias. E o movimento foi desencadeado, ele não vai parar. Nós não vamos parar. Temos uma tradição a respeitar, a do engajamento político dos Arte/Educadores, responsáveis por mudanças estruturais na educação do país.

É preciso mudar. E é preciso saber para onde caminha. Lembrando do padeiro... se um dia você for um padeiro e ganhar uma tecelagem que tal contratar um especialista na área para gerir a sua tecelagem (isso no caso de você não querer estudar sobre tecelagem). Ou seja, caros dirigentes da FPA, se esta não é a área de vocês, que tal ouvir os profissionais sérios que buscam trazer mudanças positivas para colocar esta faculdade de volta na roda da história, porque vocês, nós, todos somos motivo de chacota nacional. E, mais do que isso, é hora de sair do pedestal e passar a ouvir os estudantes, porque nós somos o pilar desta faculdade e não podemos mais ser ignorados e vistos como seres sem luz que precisam ser iluminados pelas suas ideologias ultrapassadas e alienantes.
Nós estamos cansados. E nós não iremos parar!

*Todas as fotografias deste post são da fotógrafa Tina Modotti, exceto a primeira que é uma cena de um filme no qual ela atuou. Tina foi fotógrafa, atriz, modelo e uma grande revolucionária, tendo sido a primeira mulher a ter destaque nesta área. Tina é um exemplo para todos os estudantes de artes de como a arte não pode perder a sua dimensão política e que não é porque tem uma dimensão política que se afasta da estética, da dimensão do sensível, como podemos notar em suas incríveis fotos.